outubro 19, 2011

realidade

"A vaidade embaçava a amargura e a dor fechava a porta da consciência.". Vi-me na escuridão mais vasta e vazia que poderia me encontrar.
Ainda havia dúvidas assombrando minha sutil existência, dançando pelo salão da minha inquietude e deixando-se levar pelo sopro da minha ingenuidade. Entrei naquele estado, compreendido entre a mais pura lucidez e o abandono da realidade, vaga e vulgarmente conhecido como sonho.

As dúvidas.


Elas formavam um caminho de palavras aleatórias, estendidas ao longo de um chão negro inexistente, dando a impressão de que, sem elas, eu poderia cair, infinitamente, a qualquer momento.

Meu caminho de porquês, ondes e quandos tinha, agora, a cor da agonia. Era um vinho seco, mas com textura aveludada. Uma agonia que parecia confortável. Ao mesmo tempo, o tapete de palavras aos meus pés curvou-se, revelando uma porta.
Porta comum, cor de tronco que chorou com os golpes de um machado tão severo. Minhas mãos, pálidas e frias, encontraram a maçaneta. Descobriu-se, então, uma sala verde-escuro, infinitamente cheia de fotografias emolduradas, banhada apenas com o forte amarelo de umas chamas pingadas aqui e ali. A textura oca das paredes parecia sussurrar dilemas, tristezas das mais variadas magnitudes e alegrias perdidas em ecos distantes. Andava e observava cada fotografia, saboreando o cheiro de papel antigo exalado por aquela penumbra tão esverdeada e cheia de rostos daquela sala.
As fotografias narravam os momentos responsáveis por tantas dúvidas acumuladas até hoje, e era possível perceber claramente como dividiam minha vida em dois extremos: um lado suave, cor de céu de primavera, e um lado que talvez não tenha valido tantas reclamações e lágrimas como pensei valer. Elas expunham do mais puro ao mais cruel de meus pensamentos, detalhavam rostos, expressões esperadas que quase nunca faziam-se reais. Vi despedidas, vi laços desfeitos com a mesma facilidade com que tinham sido feitos, vi caretas e obscenidades às minhas costas.
Vi sorrisos, lágrimas derramadas comigo e por mim, de pura alegria. Orgulhos feridos, orgulhos merecidos. Abraços apertados, dias considerados como "o melhor da minha vida até hoje", risadas perdidas no infinito.
Vi estradas, noites em claro, palavras rabiscadas como puro desabafo, como faço agora. Chegadas e partidas, acasos felizes, coincidências incríveis, imprevistos inconsequêntes. Doses de fúria, medo, orgulho. Doses de perdão e cuidado. Céus mesclados entre azul, rosa e lilás. Céus mesclados de estrelas, lua cheia e seu reflexo inconfundível no espelho do mar. Neblinas, ruínas, gestos. Sonhos. Vagos desapegos.
Ancorei-me e lá fiquei, contemplando o verde à luz de velas e fotos. O espaço para minhas dúvidas aparecia sutilmente: rostos esquecidos, quem eram aquelas pessoas? Onde estavam e o que haviam se tornado aqueles, na época considerados meus grandes amigos e companheiros?

Quem valeu a pena?

O que valeu a pena?

Quando olhei para baixo, percebi ter desaparecido aquele meu caminho de palavras venenosamente salpicadas, abrindo um imenso vão, que nada tinha de confortável.

Senti a queda, senti o vento, senti a claridade me cegando.
Sabia das dúvidas e de sua infinidade alheia. Sabia da existência delas em cada um daqueles outros rostos, perturbando ou abrindo a mente de tantos e poucos. Sabia estarem todos alheios à essa chance de poder reviver suas dúvidas de perto, por simplesmente duvidar de menos.
Chance essa merecida por mim, naquele sonho vago, sem saber o porquê, trazendo certeza e dúvida de mais um milhão de coisas. Mas, mais do que isso, me fazendo perceber que reclamações e lágrimas bruscamente arrancadas não fazem o lado bom da vida.
A vaidade, aquela que embaçava minha amargura, só me fez ter mais amor por mim e pelos outros.

Me fez acordar para aquele estado, compreendido entre a mais pura dúvida e a certeza tão incerta, vaga e vulgarmente conhecido como realidade.

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